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Projeto “40 anos, 40 artistas” | Backfield por Zadok Ben-David

Chegados a Vila Nova de Cerveira vindos de rotas mais a sul, é o cervo de Zadok Ben-David que nos recebe, magnânimo sobre ostensivo plinto e a indicar-nos que estamos em Terras de Cervaria e que nada, depois daquele primeiro contacto, será como antes. Desde 1986 que o prestigiado escultor é assíduo das Bienais Internacionais de Arte de Cerveira e, além do espaço público, que também acolhe uma peça da série sobre a teoria da evolução das espécies, de 1997 e colocada na Rua Costa Brava, foram já também realizadas exposições individuais suas e o espólio da Fundação Bienal de Arte de Cerveira guarda memória, em objetos, de todos estes capítulos desta história que escrevemos comum: Figura, de 2001 (185x100x27cm) e Horse Power, também de 2001, (190x170x50cm) juntam-se assim a uma parte de Blackfield, obra vencedora do Grande Prémio da XIV Bienal Internacional de Arte de Cerveira, realizada de 18 de agosto a 29 de setembro de 2007, que ora destacamos. O metal é sempre o material, num processo em que cria ilusões de contornos de figuras (humanas, animais, vegetais) bidimensionais, mas pensadas como escultura e, por isso, na sua relação com o espaço.

Zadok Ben-David (n.1949) nasceu o Iémen mas com poucos meses a família passa a residir em Israel. Sente-se, por isso, Israelita. A sua formação académica foi feita, contudo, em Londres, na St. Martins School of Art, onde chega, curiosamente, depois de ter sido expulso de uma escola de artes em Israel. Viria, mais tarde, a lecionar na St. Martins School of Art e é em Londres que desenvolve, desde há décadas, a sua atividade como artista. Já expôs um pouco por todo o mundo e as suas obras integram prestigiadíssimas coleções.

O Júri da XIV BIAC justifica as suas escolhas em 2007, destacando, entre outros valores, a inclusão do tempo do espectador como parte transformadora da obra, dentro de um clima de jogos combinatórios cor/não cor, primavera/Inverno, perspectiva horizontal/vista aérea…tudo um universo de pormenores, trabalhado com precisão quase impossível.[1] A peça esteve exposta no Museu Municipal de Caminho onde, naquele ano, existia um polo da BIAC.

Blackfield tratava-se de uma instalação constituída por cerca de 25000 pequenas esculturas (hoje já ultrapassa as 100.000 unidades), em metal branco, de exemplares da botânica (árvores, flores ou plantas). As esculturas, executadas com uma técnica semelhante à da filigrana, mas aplicada a um metal pobre, distribuem-se num pano de linho, coberto com um pequena camada de areia, que ocupava uma área de, aproximadamente, 400 metros quadrados. Aquilo que a escultura de Zadok Ben-David, poderá ter em comum com a ciência e a tecnologia “é o enorme interesse pelas características dos materiais”, à semelhança do que afirmou Carl Andre[2]. Esta obra entre no campo da instalação porque, entre outras coisas, e lembrando as palavras do artista numa entrevista de 2009, há um objetivo claro de suscitar a reflexão sobre uma problemática contemporânea, neste caso, o ambiente e a degradação da floresta, provocando um antagonismo de sensações no observador. Blackfield entra no campo semântico das novas vanguardas e expressões artísticas, proliferadas com a difusão da multimédia e depois de o minimalismo abrir as possibilidades da obra de arte na apropriação do espaço.

Uma instalação é uma manifestação artística em que a obra é composta por um conjunto de elementos organizados num ambiente fechado. A disposição de elementos no espaço tem a intenção de criar uma relação com o espectador. É uma obra de arte que só existe no momento da exposição e uma das suas possibilidades é a de provocar sensações e/ou emoções que chamem a atenção dos públicos.[3] A instalação é uma das formas artísticas mais relevantes no panorama das artes dos finais do século XX e século XXI. Embora já bastante discutida, conta ainda com uma definição frágil, tornando-se num campo em aberto para os estudos de arte. À semelhança de grande parte da produção artística contemporânea, a instalação não permite a imposição de um rótulo único, pelo seu princípio ser experimental. O conceito e a intenção do artista, na formulação do trabalho, constituem grande parte da essência da obra, na medida em que a instalação emerge no contexto na arte conceptual.[4]

Em Blackfield, “os objectos reais [espécies botânicas] que se apresentam à visão do artista são, primeiro privados de todas aquelas características específicas pelas quais temos a perceção da sua existência concreta – eles são reduzidos a puros elementos de espaço e volume[5], numa estratégia semelhante à dos artistas conceptuais. Blackfield trata-se da construção de uma verdade espacial num lugar e num tempo determinados, mantendo-se atual a sua temática, 11 anos depois de o artista a ter apresentado pela primeira vez. Aliás, mais do que atual, é urgente a reflexão sobre as problemáticas que esta obra de arte promove e é também isso que a torna contemporânea: a consciência cívica que aporta e esta inscrição visceral no seu contexto espácio-temporal.

 

Texto de Helena Mendes Pereira

 

[1] http://www.bienaldecerveira.pt/bienal_historia1.php?id=15 em 05 de Maio de 2010.

[2] Citado em MARZONA, Daniel – Minimalismo. Colónia: Tachen, 2005. ISBN: 3822851019. Página 28.

[3] SPROCCATI, Sandro – Guia de História da Arte. Lisboa: Editorial Presença, 2000. ISBN: 9722317881. Páginas 254 a 257.

[4] SPROCCATI, Sandro – Guia de História da Arte. Lisboa: Editorial Presença, 2000. ISBN: 9722317881. Páginas 245 e 246.

[5] VENTURI, Lionello – História da Crítica de Arte. Lisboa: Edições 70, 2007. ISBN: 9789724413914. Página 283.